2ª Feira no Jardim da Estrela

Jardim da Estrela

Como o encontro com um grupo “desordeiro” gera um diálogo com um rapaz no qual a palavra “Escola” assume significados bem definidos diferentes dos propostos pelos seus responsáveis. Para mim é claro que ele, e arrisco a dizer quase todos os alunos do secundário, sabe que a escola é mais para aprender normas sociais estabelecidas (e em estabelecimento) do que para prender matemática, português ou história.

Estou aqui na esplanada de um quiosque no Jardim da Estrela onde acabou há momentos uma situação curiosa. Numa outra mesa ao meu lado, 4 ou 5 adolescentes nas suas brincadeiras, iguais a tantas que tenho observado sem compreender o sentido (neste caso envolvendo o apertar o pescoço de um que estava a ser gozado), iniciam um palavreado que sobe de tom e de volume.

A gritaria e o palavrão foi o que realmente me incomodou e pedi-lhes que parassem com aquilo. Confesso que não devo tê-lo feito da melhor forma pela reacção que observei e pelas prontas respostas que me deram. Tive inclusivamente de dizer que estavam num lugar público e que não era obrigada a ouvir tanto palavreado. Não consigo reproduzir todo o diálogo mas o que está serve para o que aqui quero deixar.

No meio do disto, um deles, o Pedro (nome que soube mais tarde), fica ofendido porque ele não tinha feito nada e eu tinha dito que “eles estavam a ser malcriados” . É certo que na altura não me apercebi da dimensão das minhas palavras. Creio que já perceberam que estava algo irritada com a situação. O Pedro defendeu-se dizendo-me que o acusava de algo que não tinha feito e pergunta-me se “o facto de eu saber que um amigo vai colocar uma bomba faz de mim um terrorista?”, ao que respondi “Sim faz. Se sabes o que ele vai fazer, és também um terrorista”. A minha resposta chocou-o visivelmente e volta a perguntar-me “Como é isso possível? Eu não tinha posto a bomba, mas o meu amigo. Como posso ser terrorista?”. Respondi “Nós não somos apenas responsáveis pelo que fazemos mas também pelo que deixamos os outros fazer. Se sabemos e vemos, então somos responsáveis”. E a pergunta repetia-se “Mas eu também sou terrorista?”, “Sim és, tu viste e não fizeste nada”. Como a pergunta voltava e voltava disse-lhe “Pensa no que estás a dizer e chega à tua conclusão”. Deixei a questão e coloquei os meus headphones e fiquei com a minha música a tentar voltar ao trabalho depois desta interrupção enquanto eles mudavam de mesa.

Passados 2 ou 3 minutos, o Pedro vem ter comigo outra vez e entendo que ainda está ofendido. Começo por pedir-lhe desculpa por tê-lo colocado sumáriamente no mesmo saco dos outros. Ele recoloca-me a pergunta do terrorista e a minha resposta é a mesma, e vejo que isso o perturba. Creio que ía contra tudo aquilo em que acredita. Convido-o a sentar-se e conversamos durante algum tempo.

O Pedro diz-me que ele não pode denunciar um amigo, “senão sou um chibo”. Vivemos em sociedade e na escola aprendeu que para viver em sociedade existem regras (uma das quais é “Não denunciarás o teu amigo”) senão não podemos viver uns com os outros, que a isso se chama sociabilizar, senão somos colocados fora da sociedade, somos uns “bichos”. Que a escola ensina-nos tudo isso e que o homem nasce, reproduz-se e morre e as coisas são assim. Disse-lhe que ele está agir em função do medo, medo de não ser aceite, falo-lhe do Humpty Dumpty, que em cima do muro procura equilibrar-se sem tomar uma posição, com medo. Perguntei se me conseguia dar uma resposta só por ele sem pensar nas consequências, na cabeça dos outros, no que vão pensar.

Ainda lhe perguntei se todo o conhecimento vinha somente da razão. E se assim era qual a razão que esteve presente na música de Beethoven ou nos quadros de grandes mestres. Perguntei se gostava de Beethoven e respondeu-me que sim. Falou-me que a música também está assente na matemática. Perguntei se Beethoven se teria baseado na matemática para escrever música. Se apenas aprendemos quando alguém nos ensina. E aqui peremptoriamente diz “não, porque Einstein e outros sairam da escola porque ela não dava resposta às suas necessidades”. Perguntei, “então isso quererá dizer que havia conhecimento dentro deles para além da escola?”, “Sim, claro que sim”.

Para acabar quero dizer que gostei bastante de conversar com o Pedro. Ele mostrou, além do medo de ficar à parte, que tem cabeça e que quer pensar. Resta saber se o que aprende na escola lhe dá espaço para pensar por ele. Esperemos que sim.

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